«Queremos um rei como as nações» (1 Samuel 8, 20). O desejo dos israelitas apresentado a Samuel era uma indicação manifesta de sua rebelião contra Deus, de sua rejeição ao «Rei dos reis». Mas Deus respeitou a sua liberdade: «Ouve a voz do povo em tudo o que te disseram. Não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, pois já não querem que eu reine sobre eles. Fazem contigo como sempre o têm feito, desde o dia em que os tirei do Egito até o presente: abandonam-me para servir a deuses estranhos.” (1 Samuel 8, 7-8). O povo rebelou-se contra Deus como seu Rei.
Mas Deus também os adverte que eles deverão obedecer às condições desse reinado humano e o que significava servir aos homens e não a Deus.
O livro de Juízes conclui dizendo: «Naquele tempo não havia rei em Israel, e todos fizeram o que lhe parecia melhor». (Juízes 21, 25). O povo que havia sido libertado da escravidão do Egito precisava ser libertado de si mesmo; tudo era caos. Portanto, Deus consente ao seu pedido. Ele louva Saul, um membro forte e esguio da menor família da menor tribo, mas Saul então se ensoberbece desobedecendo a Deus. Israel buscava um rei como as outras nações, alguém forte como Saul; Deus, por outro lado, alguém de acordo com seu coração: Davi.
Contra as aparências, Deus notou Davi, um pastorzinho, o último de uma família de oito irmãos; porque na lógica divina os últimos são sempre os primeiros.
A Davi, Deus havia prometido: «Suscitarei depois de ti a tua posteridade, aquele que sairá de tuas entranhas e firmarei o seu reino. Ele me construirá um tempo e firmarei para sempre o seu trono real. Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho»
(2 Samuel, 7, 12b-14a).
Davi era um rei que servia a Deus com amor e fidelidade. Ele se comportava com sinceridade e candura infantil, como um filho com seu pai, porque confiou n’Ele e confiou-Lhe todos os seus empreendimentos e ânsias. Considerava-se pequeno diante da grandeza de Deus e do ofício que lhe confiava, como bem expressa num salmo: «Senhor, meu coração não se enche de orgulho, meu olhar não se levanta arrogante. Não procuro grandezas nem coisas superiores a mim. Ao contrário, mantenho em calma e sossego a minha alma, tal como uma criança no seio materno» (Salmo 130).
Mas Davi também foi um rei abnegado que sempre buscava o bem dos outros, mesmo às custas dos seus, como fez quando defendeu seu rebanho de ovelhas dos ataques de uma enorme fera. Quando foi para o acampamento sob as ordens de seu pai, onde três de seus irmãos estavam lutando no exército de Saul contra os filisteus, ele perguntou se seus irmãos estavam bem (ver 1 Samuel 17, 22). Ele não pensava em si mesmo, mas em seus próximos. Enfrentou a Golias apenas porque este desafiava o «exército de Deus» (1 Samuel 17, 26), aos seus. Foi um rei que buscou servir, e não ser servido. Mesmo quando pecou, humildemente arrependeu-se e recuperou o favor de Deus. Deste coração humilde e puro, inspirado pelo Espírito Santo, brotaram os mais belos poemas de louvor a Deus: os Salmos (ou «louvores»). Os salmos são uma coleção de 150 orações, reunidas pouco a pouco em um conjunto de cinco livros. Estes livros de salmos são a obra-prima da oração no Antigo Testamento: abrange toda a criação, fazem memória das promessas de Deus já realizadas em favor do seu povo, das maravilhas realizadas no Êxodo e nutre a esperança da chegada do Messias, do Filho de Davi, que lhes dará cumprimento definitivo. Ao rezarmos os salmos, a palavra de Deus torna-se a oração do homem. Assim, o homem, de toda condição e de todo tempo, aprende a rezar nas diversas situações da sua vida com as próprias palavras de Deus, como quando uma criança aprende a falar imitando as palavras que ouve de seu pai.
Os números que aprenderemos neste livro, juntamente com seu significado mais frequente nas escrituras, encontram sua melhor utilidade quando são usados para enumerar a grandeza de Deus, para louvar sua grande obra de salvação, como fazem os salmos. Pois «O que é mais agradável do que um salmo? Como o próprio Davi diz de forma bela: “Louvado seja o Senhor, que os salmos são bons; nosso Deus merece louvor harmonioso”» (Santo Ambrósio, Enarrationes in Psalmos, 1, 9a).